Relato da Vivencia e Oficina de coco na comunidade Quilombola do Cumbe - Aracati-CE

A convite de João do Cumbe, ativista da causa ambiental e negra, o grupo "As nega" chegou a comunidade Quilombola do Cumbe em Aracati-CE. O convite era de vivenciar o coco com a comunidade, por meio de uma oficina que pudesse proporcionar uma experiência com o coco como pratica ancestral. E fomos nós de malas e pandeiro na mão aceitando o desafio. Chegando lá vivênciamos a hospitalidade, conhecemos as dunas, onde a comunidade ainda guarda seus sitios arqueologicos, conhecemos as lagoas de agua doce e quentinha, andamos de barco pelo rio jaguaribe,conhecemos o mangue! A comunidade quer viver e continuar vivendo da pesca, da cata do carangueijo, mas vive cercada por grandes empresários que querem fazer de seu território um comercio, anulando sua história e sua identidade, negando-les o direito a reconhecer-se enquanto quilombola, negando-lhes acesso a partes de seu território e jogando irmãos contra irmãos...Mas eles seguem e lutam! E seguem vivendo do mangue e de seus frutos. 

Cumbe é lugar pra ninguém morrer de fome! O rio e o mangue estão lá pra alimentar cada vivente.
Percebemos que fazer o coco seria mais um instrumento nessa luta. Fazendo afirmar e reafirmar a identidade negra, quilombola, que o hoje ninguém mais vai ser cativo, e se quiserem vir pegar assalto a nossa terra, vão dar de cara com nossos pés descalços e fincados no chão. 
Mostramos como batucar, como bater com o pé, com a palma da mão,conversamos que tudo dava pra inventar e fazer do nosso jeito, e pouco a pouco fomos vendo o jeitinho da comunidade de fazer as coisas.Vimos nascer o passo do carangueijo! Vimos as crianças segurando o coco na pisada, na batucada, tentando, tentando até acertar. Vimos criança improvisar verso como gente grande não faz!Criança dançar como andorinha, andorinha branca, voando livre, coração bom, peito e sorriso abertos. Vimos a comunidade lembrar de brincar: homem, menino e mulher...E a bincadeira foi virando afeto e vontade. Foi gerando a convivencia e partilha até mesmo pra quem ia só olhar.




Nos demos conta de como a gente se parecia. Na comunidade quilombola o povo segue lutando pelo reconhecimento de sua identidade. Na periferia, nosso quilombo urbano, o povo também é ludibriado pra esquecer que é sim negro e por ser negro é que é tratado a base de vigilância policial.
Lá no quilombo os empresários querem tirar deles o território: o espaço pra trabalhar, pra tirar da terra o alimento, pra brincar, e acabar com suas memórias. Na periferia eles vem e rebolam a gente pra tudo o que é lado. A gente morre de fome na frente do mangue, na frente do mar, na frente da mata sem lembrar que tem mão pra pescar e plantar. Isso porque fizeram a gente esquecer. Fazem a gente se desligar das memórias que o território traz. Vêm com especulação imobiliaria e gente vende casa. Vêm com aluguel que a gente passa o mês juntando pra pagar e não ter que sair daquela terrinha onde a gente se sente bem. E quando não dá mais pra pagar, a gente vai pro lugar mais barato, onde não temos o vinculo e a afetividade, onde a gente não sabe viver direito e não sabe o nome do vizinho, pra construir tudo denovo e eles virem desmoronar depois.
Lá no quilombo eles querem lembrar de como era as brincadeiras, as danças, as musicas, e as histórias que contava o avô, a avó,,, E aqui também a gente tenta não se esquecer: faz bumba-meu-boi, faz coco, pastoril, e tanta coisa que eles ainda não consegiram tirar de nós.
A gente tem mais é que se lembrar.
E saber quem é.
Pra não ser sufocado.
Nesses dias entendemos que a luta quilombola do povo do Cumbe é uma só com a nossa de negros e periféricos!


O mesmo espirito ancestral que toca tambor no coração da periferia também toca lá no Cumbe. Ainda que aqui e lá continuem nos dizendo que nosso tambor é mal, ainda que continuem pregando contra nossos tambores. Mais no quilombo e na favela os tambores soarão! O coco vai resistir como a macumba ancestral resiste no coração, no cachimbo, no tocar, no bater do pé, na cachaça,no sorriso, na inocência e no prazer.
O nosso povo negro quilombola e periferico vai bater tambor enquanto luta, seu corpo será morada ancestral e ninguém vai calar o som desses tambores que pulsam nas dunas, nas ruas e nas casas. Quanto mais tambor, quanto mais dança e suor, quanto mais canto e energia mais forte será o povo negro nos quilombos do interior e da cidade!


Nosso coco, nossa luta, ancestralidade nossa, resistencia nossa, macumba nossa!

Em breve esperamos retornar pra dançar esse coco bom que se dança no Cumbe...deixamos com eles duas de nossas musicas, pra que sejam pano de fundo de suas brincadeiras e de seus passos.

Coco do Cumbe chegou pra brincar!


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